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O GAFANHOTO

  • RafaelCiampi
  • 30 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

Logo que nos mudamos aqui para o meio do mato, tivemos que nos acostumar com a vida no campo (ou assemelhado), lutando contra alguns percalços. Um deles foi a aparição em cima do fogão, de um gafanhoto.


 

Não estou falando do apelido carinhoso dado pelo mestre, ao herói, monge-discípulo, nos idos dos anos 70®*. Estou falando do inseto, mesmo (se ficou dúvida).

Logo que nos mudamos aqui para o meio do mato, tivemos que nos acostumar com a vida no campo (ou assemelhado), lutando contra alguns percalços. Um deles foi a aparição em cima do fogão, de um gafanhoto. Era enorme para a espécie. No ímpeto de evitar um duelo entre ele e a Cacau, pedi que minha esposa saísse da cozinha, levando a nossa guarda-costas de fúria desmedida, fechando a porta, logo que saíssem. Pronto! Agora éramos apenas eu e ele, para resolver o impasse de ele ter invadido a minha casa, depois de a minha casa ter invadido a dele.

Num primeiro momento, pensei em me aproximar, pegá-lo e jogá-lo pela janela, mas ao chegar mais perto, percebi que ele não estava em missão de paz. Quando eu estava há mais ou menos um metro dele, ele saltou (sou capaz de jurar que ouvi o barulho do pulo) e acionou as asas que, pelo som (aí, eu ouvi mesmo), parecem movidas por um velho motor elétrico. Acabou pousando na mesa da sala de jantar (de almoço, lanche e café da manhã também, se ficou dúvida), pois, aqui em casa, a única coisa que separa a sala da cozinha é o piso. Não existem paredes entre esses ambientes, tem que prestar atenção no chão.

Atento ao piso, fui para a tal sala, revisando a minha estratégia de ataque anterior, já claramente assumindo a condição de mamífero, primata, membro de espécie intelectualmente superior, não querendo aceitar uma derrota. Pensei, lembrando de Zun Tsu (outro homo sapiens, bem mais evoluído), onde eu tinha errado e o que fazer para não o repetir. Constatei que o meu oponente saltou para dentro da casa e não em direção às portas e janelas escancaradas, aguardando sua passagem, porque eu me posicionei, na primeira investida, entre ele e o objetivo que eu lhe determinei.

Fazendo uso da minha experiência em vídeo games (até que enfim, serviu para alguma coisa), fui-me aproximando, lentamente, mas me posicionando de forma que eu sempre mantivesse o dito invasor entre mim e a saída com maior abertura, a porta dupla da varanda. Já pensando em como eu comemoraria o sucesso da batalha, quando cheguei à distância mínima, novo pulo. Motores acionados e voo em direção à pia, que está a menos de um metro da janela da cozinha, por onde ele deveria ter passado, bastava seguir mais um pouco. A teimosia de certas pessoas me tira do sério, às vezes.

Fiquei bem aborrecido. Nesse tempo todo, eu estava-lhe explicando o que ele deveria fazer. Ou ele é estúpido, ou se fez de bobo, ou, o que é mais provável, estava-me fazendo de bobo. Uma bela opção, para um sábado à noite sem nenhum programa mais interessante. (Bela opção para ele, se ficou dúvida.).

Já sentindo minha superioridade sendo abalada, sem querer continuar fazendo papel de bobo, resolvi agir de forma mais contundente. Acelerar minha aproximação, pegar o bicho e jogá-lo pela janela, estava fora de cogitação. Ele estava atento aos meus movimentos e não me deixava chegar perto. Se eu fosse tão rápido a ponto de conseguir pegá-lo (muito pouco provável), com certeza eu o machucaria. Coisa que ainda não estava nos planos (nos planos, não nos pensamentos, se ficou dúvida).

Dentre outras diversas impossibilidades, pensei num ardil: usar algum utensílio para apoiar um pano, que eu jogaria, de longe, em cima dele e depois o libertaria. Não sem antes dizer as verdades que ele precisaria ouvir (e as que ele não precisaria ouvir, mas que eu tinha que dizer, por vaidade, arrogância e raiva.). O rodo era o item com o cabo mais longo, e sem as cerdas das vassouras, que poderiam prender o pano, prejudicando a tarefa (sério, pensei em tudo).

Peguei um pano de chão limpo, posicionei-o da forma que me pareceu melhor, para soltá-lo com facilidade, treinei o movimento, olhando nos olhos do “sem-vergonhazinho”, dizendo: é assim que vou te pegar, seu safado! E ainda vou te soltar vivo, para você ter que conviver com o fracasso e o gosto da derrota, ante à supremacia Sapiens.

Com o rodo na mão, segurando-o pela extremidade do cabo, para dar a maior distância entre mim e o gafanhoto, aproximei-me, agachado, para causar menos pânico (nele, se ficou dúvida). Posicionei o pano na para o ataque, bem na porta do armário, abaixo de onde se encontrava o arruaceiro e num movimento rápido, levantei-me, como distração, e cobri-o pelo lado oposto. Sucesso! Com o bicho preso, sem sair voando pela casa adentro, pude pegá-lo encoberto pelo pano. Acho que ouvi alguns impropérios, mas se for verdade, não devem ser descritos nesse ambiente (mesmo porque eu não teria coragem de confessar, nem numa crônica, que ouvi as palavras de um gafanhoto. – O grilo é outro bicho).

Abri o pano, cuidando para a que ele ficasse entre o espertinho e a janela, forçando o sem vergonha a saltar e voar noite adentro, e não casa afora (ou noite afora e casa adentro, se você for muito tradicionalista). Fiquei, por um instante, ouvindo o som do velho motor sumindo no silêncio da noite e, por uma fração de segundos, me perguntei o que eu faria se eu começasse a ouvir esse mesmo som aumentando, só que multiplicado por algumas dezenas. Fechei a casa toda. Já estava ficando frio.

* Eu acho que o Século XX merece o mérito de ter suas décadas identificadas pelo “apelido” e não, como fazemos atualmente, pelo nome completo: anos 1990, década de 2020, que se tornou necessário com a entrada do novo século e do novo milênio. Só acho que se falarmos anos 80, tem que ser 1980. As outras décadas, de outros séculos, que se identifiquem!!


1 comentario


ricardokabula
21 jul 2020

Como vai Raphael Ciampi! Há quanto tempo meu amigo! Viajei e me diverti em seu blog. Paz, saúde e muito sucesso a você e sua querida família!

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