Meu primeiro autorretrato
- RafaelCiampi
- 12 de mar. de 2020
- 5 min de leitura
Atualizado: 19 de mai. de 2020
“nem sempre a gente consegue acompanhar a rapidez da tecnologia. Estar atento ao novo, para nunca passar por velho.”
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Recentemente comprei um desses telefones celulares, tão cheios de funções que até têm nome diferente: smartphone. Assim mesmo, com “ph”. Lembro que na infância diziam que as pessoas eram consideradas velhas quando escreviam “pharmácia”. Agora, com “ph” são moderninhas. O dispositivo tem tantas utilidades que telefone mesmo, virou futilidade.
Enfim, fui fazer um autorretrato, pois está na moda. Agora, todo mundo faz alguma coisa e se fotografa. Quero também!
Escolhi o ângulo da câmera, olhando em volta e para o celular, calculando a posição que deveria ficar, para sair uma boa foto. Fui apertar o botão, mas o acionador não é um botão físico, como nas máquinas fotográficas que não telefonam. É num ponto pequeno na tela do celular, que está virada para o lado de lá, ou seja, a tela do telefone (muito estranho descrever os bastidores de uma fotografia referindo-me a um aparelho de telefone.) está olhando para o mesmo lugar que eu. Tentei apertar o botão, “pleck”, saiu a foto do tampo da minha cabeça e da paisagem meio desnivelada e tremida.
Segunda tentativa: agora, apareceu o meu tronco com os braços esticados na direção do aparelho. A camisa caída tampa o resto todo. Não posso considerar isso de todo um mal, detalhes da minha anatomia seriam desnecessários.
Quando eu estava desistindo e pensando que eu queria ser o Reed Richards, para realizar essa tarefa tão corriqueira, lembrei-me de um amigo que é enlouquecido por tecnologia e todas as parafernálias associadas. Usei a função telefone, um botão perdido entre acionadores que nem sei se chegarei a usar. Ele atendeu, e já fui perguntando como fazer um autorretrato, usando o telefone. Perguntei se eu tinha que usar a haste retrátil e articulada para autorretratos (já tinha lido algo sobre isso, não lembrava o nome, quis soar inteirado).
Depois de um quÊÊÊ!?!?! parecendo que, realmente, não tinha entendido nada, ele iniciou uma crise de uns 3 minutos de gargalhadas, entrecortadas por perguntas: Como é mesmo que você falou? (risadas) Haste o quê? (mais risadas ainda) Articulada? (esse cara não respira??) Está pensando que isso é um caminhão, um ÔNIBUS??
Quando eu já tinha perdido a paciência, percebendo que eu tinha falado a maior besteira desde “Quando chegarmos na meta, a gente dobra a meta”, o cara conseguiu se recompor e emendou, você estava falando do “pau de selfie”, tem gente que usa para ter mais opções, mas precisar não precisa. Mais algumas risadas, não tão empolgadas. Aí, ele me perguntou se o celular tinha a câmera frontal. E ante ao meu silêncio (temi dizer alguma coisa no nível do comentário anterior e acabar sendo forçado a desligar o telefone, com a nova crise que poderia advir), ele emendou, é só olhar se tem uma lente bem pequeninha na frente, do lado do visor, normalmente no alto. Expliquei que eu vi um buraco por baixo do visor, que parecia uma camerazinha. Aí, ele disse:
- Pronto! É só selecioná-la e mandar ver. Qualquer coisa me liga. - Ele concluiu, falando algum desses termos técnicos que ele usa, que parecem importantes, mas não faço ideia do que ele disse. Nem sei se era alguma recomendação para algum procedimento que eu tinha que fazer. Se ele tivesse me alertado que ia falar algo importante, eu tinha prestado mais atenção.
A primeira coisa que me veio à cabeça, quando desliguei, foi a crise de risos, senti uma vergonha posterior, maior do que eu tinha sentido antes (eu senti vergonha alheia de mim mesmo. Pode?). A segunda coisa foi o pau de selfie. Nomezinho esquisito. Primeiro porque “pau”, na minha mente poluída e bastante deturpada, depois de anos de rock e TV, faz referência direta a um importante detalhe íntimo da nossa anatomia. Depois temos a expressão “selfie”, uma dessas apropriações que os brasileiros gostam, para aportuguesar expressões estrangeiras, numa tentativa de transformar palavras simples e corriqueiras e, principalmente por isso, úteis, em termos rebuscados. O pior é que o inglês é campeão nessa simplificação. A própria selfie, que, como sabemos, vem de “selfportrait”, mostra isso.
Aí, me perguntei: o meu pau (tomara que não tenham menores de idade, nem moças no recinto) não seria por si só, uma parte de mim mesmo, “myself”, tornando tudo horrendamente pleonástico? Inclusive, esse nome deve ter incomodado outras pessoas, agora é “bastão de selfie”. Melhor.
Depois dessa divagação sem fim (não por ser extremamente longa, apenas por não ter tido uma finalização formal), voltei à tentativa do autorretrato. Com o celular virado para mim. Agora sim, pela primeira vez, olho no olho. Ele me vendo e ao cenário atrás de mim e eu vendo-o, vendo-me e ao cenário atrás de mim. Perfeito! Caprichei, procurei um bom ângulo. Tirei uma, duas, cinco, como não tem filme, nem revelação, vamos tirando, para ver se alguma fica boa.
Na tentativa de compartilhar a foto nas redes sociais, acabei apagando a foto que ficou boa e as versões menos privilegiadas (apareceu uma mensagem com algumas das palavras que meu amigo tinha dito logo depois das gargalhadas. Pelo visto, eram realmente importantes). Como não dá para ver como era a foto, como deu muito trabalho e como foi num lugar onde não voltarei tão cedo, vou descrever e compartilhar a descrição da foto, deve dar o mesmo efeito:
Graças ao ângulo, à luminosidade e à sorte, eu saí bem, feliz, saudável, satisfeito. A roupa, graças à posição da câmera, parece estar com o caimento perfeito, mas com aquele “Q” despretensioso que se espera de um roqueiro. O cenário é ótimo. Uma mistura de natureza exuberante com um ambiente extremamente requintado, com um claro ar de que é para frequentadores selecionados. A foto mostra nitidamente que estou entrando neste local, satisfeitíssimo e que terei uma noite agradabilíssima ali, com certeza muito bem acompanhado e sem nenhum problema. Nem antes, nem depois dali.
Espero que a descrição do meu autorretrato seja tão impactante quanto as fotos que vemos constantemente nas redes sociais. Nunca tem a foto do cara sem camisa, todo suado, com a mão enluvada em fuligem e graxa, pois precisou trocar o pneu furado às 18h, de sexta feira, ao invés de esperar o guincho do seguro que prometeria chegar em mais de 60 minutos, por causa do trânsito do horário. Ou a foto ao xingar um velhinho que estava num SUV zerado, mas demorou para acessar a via principal e você não tinha percebido que era uma pessoa de idade e se deixou levar pelo estresse, decorrente da sua pressa, pois você não se organizou direito para chegar no seu compromisso e sentou o dedo na buzina. O velhinho quase enfartou...
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